Tudo na vida é o Verbo. Palavras e frases possuem poderes divinos, pois as letras que as compõem emanam diretamente de um alfabeto divino, usado pelo próprio Criador na hora de arquitetar as esferas que formam o mundo físico, mental e espiritual. A cabala é o conjunto de técnicas, teorias e práticas que permitem desvendar os aspectos mais interiores e místicos dessa língua divina, o ensinamento perene da Divina Origem.
Em todos os círculos esotéricos, a cabala é conhecida como o estudo das letras hebraicas que permite o contato direto e profundo com as verdades do nosso mundo e com Deus. O seu estudo é cercado de mistérios e, durante milênios, ficou restrito a um seleto grupo de homens extraordinários. Contudo, nos últimos tempos, popularizou-se e tomou-se uma das grandes ferramentas para o crescimento espiritual da humanidade.
Acredita-se que ela é transmitida de geração em geração por revelações, textos herméticos e pela importante tradição oral judaica, que variou ao longo dos séculos, indo desde a descrição mitológica da origem do universo às grandes especulações metafísicas e teológicas da natureza divina.
Em uma matéria inédita, a Sexto Sentido entrevista o Rabino Mishael Yehuda Halevi, da Sinagoga Elijah Kibbutz, que revela os aspectos mais controversos e místicos dessa antiga sabedoria.
ENTREVISTA AO RABINO
MISHAEL YEHUDA HALEVI
Por Alex Alprim, da Revista Sexto Sentido
Eu gostaria que o senhor nos explicasse de uma maneira simples - apesar do tema ser complexo - o que é a cabala?Cabala é uma sabedoria universal. Ela não pertence única e exclusivamente ao povo judeu, mas é uma sabedoria que foi absorvida no decorrer dos milênios por todos os povos, e é encontrada na maioria dos povos do mundo. Basicamente, a cabala é uma ciência e uma sabedoria que visa produzir respostas para questões que, para a maioria das pessoas, não têm explicação.
E em que consistem essas respostas? Como elas surgem? Se elas existem em outros povos, como elas se relacionam? Existe alguma maneira de se buscar esse conhecimento de uma maneira palpável?
Sim. Por exemplo, temos os conhecimentos dos livros sagrados, da Torá, que são os cinco livros de Moisés, nos quais está escrito tudo que existe, existiu e vai existir. E só a cabala ou os cabalistas é que têm as ferramentas para retirar esse conhecimento de dentro de histórias metafóricas, que são códigos que J encerram essas verdades. Ela traz para fora as questões e as respostas codificadas nessas histórias.
Isso teria algo a ver com aquele livro Os Códigos da Bíblia?
Bem, Os Códigos da Bíblia é uma das partes da sabedoria. Na realidade, os judeus, os rabinos cabalistas, sabem da existência dos códigos há mais de 3.000 anos.
E quais são as ferramentas que existem para se estudar a cabala?
Para se estudar cabala é necessário ter o acompanhamento de um mestre cabalista. Com isso, você vai ter contato com a verdadeira cabala, e não com alguma vertente da cabala ou com alguém que estudou cabala e criou sua linha de entendimento. É necessário que se estude cabala com um judeu. Então, você vai ter acesso à pura sabedoria da cabala. Existem quatro ferramentas principais com as quais nós lidamos para retirar os conhecimentos dos livros sagrados, não só da Torá, mas de todo o chamado e conhecido como Antigo Testamento.
Essas ferramentas estão inseridas num acróstico que é traduzido aqui para "Paraíso Pomar", que seria a palavra Pardes, que é escrita com quatro letras: p, r, d, s; o "p" sendo de pechat, que é "entendimento literal"; o "r" de rhemes, que seria "metáforas e ilusões"; o derasch, que seria "pesquisas", que inclusive já gerou o conhecido Talmude; e o "s", que é de sod, e se refere à cabala, que é o nível espiritual, além das letras hebraicas que os textos contêm.
O senhor teve contato com pessoas que pertenceram a outras culturas e que também tinham esse tipo de conhecimento?
Na realidade, nós vemos que a cabala está presente em outros povos e culturas, como no budismo, por exemplo. Quando alguém produz uma nova revelação, essa energia sobe e permeia todo mundo. Então, os receptores que estão abertos se conectam com esses depósitos, trazendo esta sabedoria para baixo e criando uma nova consciência; mas tudo teve princípio na cabala, e ela começou onde? No Jardim do Éden, com Adão.
Ele recebeu o primeiro livro de cabala, chamado Livro de Raziel, entregue a ele por um anjo chamado Raziel. A cabala explica que esse livro era tão poderoso que apenas folheá-lo era o mesmo que brincar com um cabo de alta tensão. Assim, essa sabedoria vem sendo estudada por milênios.
Pessoas que entraram no seio do povo de Israel, aprenderam, estudaram com rabinos, levaram para seus povos e assim por diante, e isso foi crescendo até chegar ao ponto em que nós estamos hoje.
Existe uma crença ocidental de que as idéias de reencarnação estão muito ligadas às culturas do Oriente como Japão, índia e China, e de que a filosofia mística ocidental não se refere muito à idéia da reencarnação.
Existe a noção de reencarnação na cabala?
Existe, desde o princípio. Aliás, desde quando o homem foi retirado do Jardim do Éden, "a roda", como nós chamamos - ou girgul, em hebraico -, a palavra reencarnação existe. Por exemplo, no capítulo 2, verso 7 do Gênese, que conta a história da criação do homem, é dito que Deus soprou em suas narinas o fôlego de vida. Em hebraico, a palavra que está escrita é neichma rain, "espírito de vidas". A palavra "vida" não existe na língua hebraica, não tem singular. Sempre que a palavra hebraica "vida" aparece na Bíblia, em hebraico, ela está escrita no plural, "vidas".
O que acontece é que Adão trouxe a consciência do pecado, e todas as almas estavam nele. O que as pessoas não sabem é que o Adão do Jardim do Éden não era uma figura humana, mas uma figura espiritual, energia, e nele estavam todas as almas que povoariam o mundo. Então, quando Adão trouxe a consciência do pecado, o corpo dele foi fragmentado em milhares e milhares de centelhas, que descem ao mundo o tempo todo.
Existem várias vertentes do conhecimento. Nos primeiros milênios, aquelas grandes almas viviam mais tempo porque precisavam de mais tempo para evoluir espiritualmente. Quando eles começam a utilizar maio conhecimento da cabala acontece, por exemplo, o que é narrado na história da Torre de BabeI. Todo mundo pensa na existência física de uma torre, mas se você pesquisar e estudar, vai ver que existem poucas provas arqueológicas a respeito da existência de uma Torre de BabeI. A cabala explica que a torre, na verdade, não era física, mas apenas um código. No Gênese, é dito que só havia uma língua falada em todo o mundo naquela época, que era o hebraico. A palavra "hebraico" é escrita Ivritz, e significa "do outro lado". O que, na realidade, encerra essa história metafísica? É que estavam construindo um portal dimensional, a fim de que pudessem se locomover de um universo para outro, e se elevando espiritualmente. Assim, começaram a utilizar novos conhecimentos. Veio a questão do dilúvio, e a vida do homem foi diminuída em setenta anos para que se pudesse acelerar sua evolução espiritual.
Por viverem tanto, os erros acabavam se prolongando.
A questão da causa e efeito.
Então, ao contrário do que se imagina, a tendência a uma vida mais longa não necessariamente indica uma melhoria em nossa vida espiritual?
Não, porque, por exemplo, a sabedoria que existe hoje não é sequer metade da que existiu no tempo da Torre de BabeI. Há, nos dias atuais, uma grande sabedoria permeando o mundo, de forma que grandes cabalistas do povo de Israel produzem até grandes milagres através da sabedoria da cabala. A sabedoria da cabala está nas letras hebraicas dos livros.
Na realidade, as letras foram erradamente chamadas de "alfabeto hebraico". Não é bem isso. Aquelas letras são energias inteligentes, elas são a razão da criação do universo. Quando tudo foi formado, foi pela permutação dessas letras hebraicas. Por exemplo: as pessoas não sabem, mas com relação à história da abertura do mar - e, abrindo um parêntese aqui, na Bíblia não existe o Mar Vermelho - em hebraico está escrito Ayin Sof, que seria "O Mar do Infinito". Para abrir o mar, Moisés usou o que hoje nós chamamos de os "72 nomes divinos", que estão escritos no capitulo 14, versículos 19,20 e 21 do Gênese. Cada versículo, com 72 letras em hebraico. Quer dizer, acima do permitido pela estatística do acaso. Três versículos com 72 letras, o que significa que aÍguém colocou aquilo ali propositadamente. Os cabalistas decodificaram e retiraram os segredos. De fato, a visualização dessas letras produz grandes milagres e outras coisas.
Existem várias linhas de pensamento ocidentais, principalmente a partir dos séculos 18 e 19, que utilizam os conhecimentos da cabala para desenvolver sociedades iniciáticas, práticas de magia e práticas esotéricas. Durante muito tempo, a cabala esteve extremamente ligada à idéia do esoterismo mágico. Existem essas capacidades dentro da cabala? Isso faz parte do estudo ou, na verdade, é uma conseqüência do estudo?
Nós poderíamos dizer que isso é uma conseqüência do estudo, porque os cabalistas não se utilizam de práticas de "magia". Nós podemos produzir mudanças no mundo físico através do conhecimento da cabala e das letras, mas isso não é uma coisa que se vende como magia; até foram atribuídos poderes desse tipo a grandes rabinos do passado, cabalistas. Por exemplo, existe a história de Isaac Luria, que viveu no século 16. Dizem que, todas as sextas-feiras, o Ari, como era conhecido, subia as colinas para receber a noiva. Isso seria um código para o shabat sagrado do povo de Israel. Numa dessas vezes, ele disse a seus discípulos: "Vamos para Jerusalém". E eles responderam: "Rabi, Jerusalém está muito longe daqui, e já é quase pôr-do-sol. Nós não vamos conseguir chegar a tempo". Mas o rabi disse: "Nós vamos!" Eles começaram a cantar canções de cabala e, quando perceberam, já estavam em Jerusalém. E aí vai do entendimento de cada um, para procurar compreender o que aconteceu: se eles caminharam e chegaram a Jerusalém, ou se eles foram transportados milagrosamente. Porque a sabedoria da cabala produz mudanças no mundo físico. Todos os dias nós presenciamos isso.
Como está o trabalho dos cabalistas, hoje?
Existem poucas instituições no mundo que sejam realmente cabalistas. Hoje, estão voltando os livros sobre cabala e também muita coisa sobre a Torá. São níveis simples: é o começo da quebra da consciência robótica. Vamos usar um exemplo simples: Matrix (Nota: o rabino está fazendo uma referência ao filme The Matrix).
Quebrar a ilusão da matrix.
Isso. Por exemplo, a ciência explica que tudo que existe no universo é composto por formas esféricas: átomos, moléculas e assim por diante. Se tudo é composto por formas redondas, como explicar que tudo o que nós vemos é quadrado? Isso é uma ilusão produzida pelo mundo físico, que é uma ilusão, porque o verdadeiro mundo não é este aqui: isso aqui é uma ilusão.
Isso estabelece um paralelo com as idéias dos hindus a respeito do véu de Maya.
Sim! Então, nós temos de romper o véu para poder enxergar melhor as coisas. Por exemplo, esta parede é formada por letras. Que letras? As letras hebraicas que criaram todo o universo. Um cabalista que se elevou muito espiritualmente, quebra essa ilusão do chamado Satã. As pessoas -imaginam que o Satan é um ser com chifres e rabo, mas na realidade a palavra Satan é uma palavra código para "contra-inteligência", que seria uma programação inserida nesse DNA metafísico. Então, essa programação provoca a ilusão que as pessoas têm a respeito das coisas. A quebra dessa programação, que as pessoas têm por causa de Satan, faz com que nós comecemos a nos conectar com o verdadeiro mundo, o mundo de verdade. Além da matrix.
Essa idéia de Satã seria semelhante à que existe em algumas filosofias, do inimigo interior que seria um reflexo da pessoa?
Exatamente. Isso saiu da cabala.
O Satã é isso. Vamos citar aqui o exemplo de Jesus que, possivelmente, teria sido um cabalista. Teria estudado a cabala, e os milagres que ele produzia realmente estariam ligados à manipulação das letras em hebraico.
Existem várias citações em que Jesus é chamado de rabi.
Sim. Ele era um rabi, segundo consta na história. Nas passagens sobre a vida de Jesus, há muita cabala, como, por exemplo, quando ele foi levado ao deserto e tentado pelo diabo. As pessoas interpretam este fato literalmente, mas na realidade a palavra que aparece no original em hebraico é Satan, que seria "contra-inteligência", ou seja, os seus próprios inimigos; ele estava combatendo os seus inimigos interiores. E talvez o deserto seja o melhor lugar para isso, porque quanto maior a dificuldade, mais luz a ser revelada. Por exemplo, a lâmpada. Por que ela acende? É devido à resistência. Ela incandesce e acende. Assim como ocorre com a resistência, a dificuldade produz luz.
Como a matemática se conecta com a cabala?
Vou dar um exemplo. Quando nós falamos em reencarnação, podemos descobrir ou conhecer quais são as almas reencarnadas. Pegamos o nome, fazemos o estudo das letras daquele nome, fazemos cálculos gemátricos, que seriam cálculos numéricos - porque, para cada letra hebraica, existe um valor numérico - e encontramos uma razão que nos conecta com a revelação de quem seria essa alma.
Pode-se dizer, então, que toda a história humana se conecta através da cabala, em todos os seus grandes eventos e até mesmo nos pequenos eventos?
A cabala é a grande sabedoria universal. Está por trás de toda a razão do universo.
Qual é a coluna vertebral da cabala? Existe uma lei máxima na cabala?
Existe uma lei máxima, que é a lei da Torá, resumida num único verso: "Amarás ao próximo como a ti mesmo". Esta é a razão de todo cabalista. Ao contrário do que as pessoas pensam, este verso não é um verso cristão, mas se encontra no Levítico. "Amarás ao próximo como a ti mesmo resume toda a razão da cabala. Trabalhar em função do crescimento e da elevação espiritual do próximo.
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