Joana D’Arc era uma garota pobre e analfabeta de 17 anos quando decidiu salvar a França dos ingleses. Guiada pelas vozes de santa Catarina, santa Margarida e são Miguel, que ela dizia ouvir desde os 13, deixou a aldeia de Domrémy, na atual Lorena, com a meta de ver o príncipe herdeiro do trono, Carlos VII, o delfim, coroado rei. A vontade tinha fundamento. Era 1429 e a França via-se em maus lençóis: um século antes, fora dizimada por pestes, intempéries e fome. Desde 1337 o país se debatia contra os ingleses, na Guerra dos Cem Anos. A região vivia uma guerra civil entre a população local e o rico ducado da Borgonha, vizinho à Lorena, que se aliara aos ingleses. Para Joana – e suas vozes –, apenas uma França forte e soberana poderia derrotar os inimigos. E isso só aconteceria quando o delfim recebesse a coroa na Catedral de Notre-Dame, em Reims, como mandava a tradição. Destemida, presunçosa e, para alguns, fanática, Joana D’Arc, sem nenhum conhecimento militar, convenceu na base da fé um pequeno grupo de soldados a acompanhá-la. Conseguiu muito mais.
Além de uma conferência com o príncipe, a camponesa obteve o que parecia impossível: seu próprio exército, de cerca de 7 mil homens, e a autorização real para marchar até Orléans (a 130 km de Paris) e livrá-la do cerco inglês. Montada num cavalo branco, a Donzela, como se denominou, inspirou os militares. Os ingleses, porém, não tardaram a chamá-la de vaqueira. De fato, Joana D’Arc havia, até então, apenas montado nas costas do gado do pai. Nunca usara uma armadura, jamais estudara táticas de guerra e nem sequer tinha visto um combate. No entanto, nada disso a intimidava. A prova é uma carta sua endereçada ao alto-comando inglês, pouco antes de invadir Orléans, na qual se afirmava chefe de guerra (posição que não lhe fora dada) e emissária de Deus. “Rei da Inglaterra”, dizia ela no comunicado, “se não entregardes o que haveis tomado e violado na França, vos matarei a todos.”
Seu desempenho como soldado, porém, não se mostrou excepcional: na Batalha de Orléans, ela pisou numa bola de cravos, que machucou seus pés e, por pouco, não a deixou fora do cerco à cidade. Durante o combate, foi ferida no peito por uma flecha, mas resistiu.
Os últimos combates
Em Jargeau, Joana foi derrubada de uma escada por uma pedra e, se não fosse seu elmo, teria sofrido um ferimento sério. Apesar das trapalhadas, a presença de Joana D’Arc foi a inspiração que faltava aos soldados franceses quando chegaram à cidade, em 29 de abril de 1429. Carregando um estandarte branco com a figura de Deus ladeada por dois anjos, ela viu as tropas protagonizarem um ataque sangrento. No dia 8 de maio, 4 mil dos cerca de 5 mil ingleses jaziam aniquilados. Encerrava-se assim a Batalha de Orléans, que alterou o cenário da guerra, até então marcada pela dominação britânica.
"O fato de ela ser mulher e ouvir vozes sagradas era algo fabuloso para as mentes da população do século 15", diz Ricardo Luiz Costa, professor de história medieval da Universidade Federal do Espírito Santo. A aura mística em torno de Joana aumentou ainda mais com novas vitórias nas vilas de Jargeau, Meung e Beauregency. As pessoas passaram a se amontoar para vê-la.
No dia 17 de julho de 1429, seu sonho se realizou: o delfim foi coroado. A missão poderia ter acabado ali, mas a garota tinha incorporado o papel de soldado. Sua nova ambição era expulsar os ingleses de Paris. Mas a total falta de preparo pesou, e Joana nunca mais conheceu a vitória. Na Batalha de Compiègne – que iniciou sem a autorização real –, a jovem, então com 19 anos, foi capturada. “Embora seu julgamento, que durou seis meses, fosse eclesiástico, Joana D’Arc terminou por ser condenada pelo governo inglês, que, ligando suas vitórias militares à bruxaria, pôde justificar suas perdas. Eram derrotas consideradas mais humilhantes por serem para uma mulher", diz a professora inglesa Mary Gordon, autora do livro Joana D’Arc. “A guerreira foi acusada de herege, relapsa e idólatra e levada a morrer na fogueira.” No dia 30 de maio de 1431, Joana caminhou acorrentada até uma praça no centro de Rouen, onde prenderam-na a uma estaca. Uma vez dentro do fogo, ela gritou mais de seis vezes ‘Jesus!’, teria contado um dos carrascos. Seu corpo carbonizado, acabou exposto em praça pública à multidão. Os restos mortais foram queimados e as cinzas atiradas ao rio Sena para impedir o culto. Mas o mito de Joana só aumentou.
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